Papa da Gastronomia Contemporânea, Morre Alain Senderens

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3 min readJun 28, 2017

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Alain Senderens foi uma das figuras mais importantes da Nouvelle Cuisine

Por Tulio Silva

"Antes de tudo, deve-se considerar a leveza, a simplicidade do prato, que será a qualidade mais procurada e apreciada", afirma Alain Senderens em manifesto que estruturou a Nouvelle Cuisine francesa.

Um dos cozinheiros mais criativos e influentes do mundo morreu no domingo (25) aos 77 anos. Sua influência, para além da língua francesa, era também muito forte na Espanha, para onde teve a filosofia levada graças aos 11 Magníficos da Euskadi (como ficaram conhecidos os espanhóis do País Basco — bem antes de Ferran Adriá), capitaneados por Juan Mari Arzak.

"O cozinheiro também precisa ter conhecimento de dietética e desaparecerão as preparações longas e difíceis", continua o manifesto que coloca fim ao longo reinado de Auguste Escoffier (que fora considerado o "Rei dos Chefs"), responsável pela Cozinha Clássica de molhos densos que explodiam colesterol e falta de leveza.

Além de cozinheiro, Alain Senderens foi um dos maiores "sommeliers" de que se tem conhecimento. Causou escândalo na França quando resolveu combinar uma seleção de queijos e de vinhos brancos. A primeira delas, casava queijo de cabra com um branco seco Vouvray, do Vale do Loire (Fr).

"Os pratos tantas vezes menosprezados se transformarão numa categoria superior por arte do cozinheiro", afirma o manifesto de um chef que, para ser capaz de servir a todos, abriu mão das Estrelas Michelin em 2005. Isso por que existia um acordo silencioso de que apenas restaurantes muito caros e luxuosos eram merecedores de tamanha distinção, e Senderens queria fazer uma gastronomia menos sofisticada e sem tantas toalhas e talheres.

Aposentado desde 2014, Senderens começou como auxiliar de garçom (cumim), no grande La Tour d’Argent, em Paris, e depois passou por todos os postos na cozinha. Em 1985, tornou-se chef do Lucas Carton, restaurante para o qual conquistou as três estrelas Michelin e do qual tornou-se proprietário, rebatizando-o com o próprio nome.

Confira abaixo o "Discurso culinário, estético e dietético de Alain Senderens"*, lançado em 1976 e que chocou toda a França:

Antes de tudo deve-se considerar a leveza, a simplicidade do prato, que será a qualidade mais procurada e apreciada. O cozinheiro também precisa ter conhecimento de dietética e desaparecerão as preparações longas e difíceis. Os pratos tantas vezes menosprezados se transformarão numa categoria superior por arte do cozinheiro. Os refogados serão apresentados em grandes pratos. A cozinha parecerá mais exótica, graças aos produtos importados de outros países e às experiências de outros cozinheiros, assim como aconteceu na Idade Média e no Renascimento. A farinha para dar liga aos molhos desaparecerá da cozinha. A comida será sem gordura e cozinhar ao vapor será algo cada vez mais frequente. A alta culinária perderá, até certo ponto, as características locais, graças às facilidades do transporte e da conservação dos alimentos. Os caldos, os molhos, os fumets desaparecerão e serão substituídos por sucos. Os doces serão menos açucarados e mais temperados. Como acontecia na Idade Média, os agridoces serão utilizados e a busca de contrastes será a norma que definirá a nova gastronomia. Todas as invenções serão permitidas e, mesmo que surpreendam o paladar, devem ser audaciosas, mas cheias de harmonia. Os produtos cada vez serão menos cozidos; as primeiras provas de qualidade, e todo o esforço da cozinha, consistirão em não mascarar seu gosto nem disfarçá-lo gratuitamente, e sim em conservar sua genuína qualidade.

*Sen, Miguel — Luz e sombras do reinado de Ferran Adriá, Editora Senac São Paulo

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